quinta-feira, 27 de agosto de 2009

┼ Poesia : advogado do diabo ┼


Ali, logo – disseram-me ao ouvido.

Apontou-me não sei o quê de luminoso opaco: lá está!

Ah!

O inferno veio pousar à minha frente. Inteiro, completo. E os meus olhos descansaram na imagem de seu dono, seu senhor. Terrível pesadelo!

Senhor de tais recônditos – disse eu – já não mais andas sozinho. Antes trazes agora contigo o teu reino?

E sentado no canto escuro do meu quarto, onde somente sua silhueta era divisada na penumbra da luz lunar, ficou.



- Não há sobre esta superfície corrompida, uma só coisa da qual poderás me surpreender. Antes, eu me repugno com o lado externo das coisas do que o avesso. Demoraste. É tarde para ti.

Falou-me:

- É tudo uma questão de escolha. Tudo!

Pode-se ficar de qualquer lado e terás sempre uma razão.

Ah, A ambigüidade! Coisa divina ou proeminentemente humana?

Sim, advogados. Façam uma estátua e cultuem a ambigüidade. Que seria de vós sem ela?

Essa coisinha pariu uma filhinha...humm...E ela é tão adorada! A humanidade a adotou, é sua afilhada querida.

Que nome a deram?

Hipocrisia chama-se ela. Filha amada!

Mas ouça: antes dela nasceram duas irmãzinhas gêmeas, univitelinas. Mas, ah! Que fatalidade: São tão distintas. Como pôde? Ora, que importa? Todos gostam delas também. Mas uma, querem para si, a outra dão para os outros, mas sempre as querem por perto.

Mas como se chamam?

Verdade e Mentira, são como as chamam

- Ora, ora, mas veja se não é o que dizem, senhor deles. Tu és o pai de uma delas, a quem chamam Mentira. Sua filha amada.



- Há um dito entre os humanos e que é universal. Ora, dizem que pai é quem cria. Se tu a crias, é filha tua, embora tenha nascido de mim.



- Calo-me quanto a isso. Se podes pensar assim. Maldita! Maldita ambigüidade.

Mas, senhor deles, piso-te o cenho feio. Vai, e contigo tua casa. Sobre esse assoalho há terra fria, mas mais ao fundo encontrarás solo quente. Esta superfície que me arrasta, e comigo tudo abaixo do manto gasoso, é minha casa. Não! É por onde vaga meu corpo, que é casa do meu espírito. Sobre esse corpo necessito um telhado para proteger-me corpo e espírito. Mas sobre tu está tudo e todos. Para que necessitas dessa proteção?



- Até as palavras necessitam de abrigo, pois se as tivéssem apenas no ar não lembrarias nem mesmo o teu nome.





Rogério Silva

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